Se há algo que não se pode dizer deste governo é que ele não age como um polido cavalheiro que, com afinco e determinação, faz as mais belas mesuras e os mais líricos cortejos à liberdade econômica. Mas o que o governo parece se esquecer é que a liberdade econômica não anda sozinha, já que é irmã siamesa — além de amiga íntima — da liberdade contratual. Por isso, fazer a corte a uma, sem se lembrar da outra, é o caminho do insucesso, ao passo que, para encantar a primeira, nada melhor do que fortalecer a segunda. É por isso que tratar com simplicidade e clareza a liberdade contratual é o que melhor se pode fazer para garantir a realização da liberdade econômica. Regras pomposas e de aplicação incerta são o oposto. Atingem as duas. Ao lermos as disposições da MP 881, o que se vê é que o governo ainda não aprendeu essa lição.

Em matéria contratual, a MP 881 modifica o Código Civil de duas formas: altera a redação de dois dos seus artigos (artigos 421 e 423) e introduz dois novos dispositivos (artigos 480-A e 480-B). A nova redação do artigo 421 vincula a função social do contrato à declaração de direitos de liberdade econômica. O que motivou a alteração é a vagueza da expressão “função social do contrato”, conceito jurídico pouco denso e recente na nossa doutrina. Para combater tal vagueza, a MP 881 atrelou a função social dos contratos à declaração de direitos de liberdade econômica, um texto ainda mais vago e composto de conceitos menos densos e mais recentes do que a versão anterior. O resultado prático é a necessidade de novas interpretações, a serem feitas sobretudo pelo Judiciário. Ou seja, o texto traz mais inseguranças aos negócios, e o conceito de função social do contrato, que acabou demonstrando pouca aptidão para gerar consequências contratuais relevantes, voltará a ser foco de incertezas.

A nova redação do artigo 423 altera a regulação dos contratos de adesão e passa a atingir os chamados contratos paritários, aqueles não formados por adesão. Conforme o seu novo parágrafo único, “nos contratos não atingidos pelo disposto no caput, exceto se houver disposição específica em lei, a dúvida na interpretação beneficia a parte que não redigiu a cláusula controvertida”. A formulação da nova regra parece indicar, no mínimo, o exercício do absurdo, pois deixa em xeque permanente o redator de qualquer cláusula contratual. Mantida a versão atual, todo ato de redação contratual será considerado um elemento decisivo de prova em uma possível disputa interpretativa. Há que se lembrar que a maioria das disputas contratuais decorre exatamente da interpretação de cláusulas. Quem, a partir da MP 881, se arriscará a redigir cláusulas contratuais?

Por sua vez, os artigos 480-A e 480-B possuem um mesmo intuito: diferenciar os contratos entre si, criando a categoria dos “contratos interempresariais”. A ideia, em si, é interessante, mas sua aplicação implica diversas e graves dificuldades. Não há uma delimitação de “contratos interempresariais” e muitas relações abrangíveis por essa regra estariam excluídas dela, como é o caso das relações ditas “parassociais” (acordo de sócios) ou dos contratos envolvendo atividades não classificáveis como empresárias, como é o caso dos profissionais liberais. Além disso, as alterações propostas pelos novos dispositivos, em seus efeitos, separam o que não seria separável, pois os demais contratos, em tese não classificáveis como “interempresariais”, já se encontram assim regulados, mesmo antes das novas regras. Em outras palavras, os novos dispositivos lutam para diferenciar o que, em alguns casos, é de difícil separação, mas, ao fazê-lo, nada agregam além de dúvidas, tanto acerca da sua própria aplicação quanto a respeito do regime aplicável para uma série de contratos não expressamente referidos.

Parece claro que o governo, ao agir como legislador, esteve imbuído das melhores intenções. Mas, no exercício da sua paixão, esqueceu-se de que a liberdade econômica não anda sozinha, mas sempre acompanhada da liberdade contratual. Esta, por sua vez, não se realiza apenas com boas intenções ou com listas de belas declarações, mas sim com regras claras e estáveis. É exatamente isso que não fez a MP 881. Ao se cegar pela paixão, a MP acabou por se perder em contrassensos e tornou mais forte exatamente aquilo que intencionava enfraquecer.

Jorge Cesa é sócio do Souto Correa Advogados e doutor em Direito.

Fonte: Conjur