Especialista alerta que há risco maior de perder o imóvel

Foi publicada no início deste mês a chamada MP do Agro, medida provisória que cria o Fundo de Aval Fraterno. A ideia é aprimorar o crédito rural e ampliar o acesso de produtores a financiamentos e diminuir as taxas de juros. A medida cria, entre outras coisas, a Cédula Imobiliária Rural, ou CIR. Vamos te ajudar a entender do que se trata, como funciona para o produtor acessar, os riscos e as diferenças entre outras modalidades de crédito como a Cédula de Crédito Rural (CCR) e a Cédula de Produtor Rural (CPR).

O que é a CIR?

Antes de entender a CIR precisamos entender o que é patrimônio de afetação pois é este que está em questão quando o produtor emite a Cédula Imobiliária Rural.

A MP do Agro permite que o produtor rural desmembre sua propriedade para dar como garantia em operações de crédito. Atualmente, o produtor precisa oferecer todo o imóvel como garantia, que, por vezes, vale mais que o valor do financiamento. O chamado patrimônio de afetação dará maior segurança ao sistema financeiro na concessão de crédito aos produtores rurais, ampliando o acesso aos recursos financeiros e permitindo melhor negociação do financiamento. São preservados os direitos de terceiros, a pequena propriedade rural, as áreas inferiores ao módulo rural e os bens de família. Ele separa em lotes a propriedade e dá de garantia apenas uma parte, o patrimônio de afetação.

Como desdobramento do patrimônio de afetação, é criada a Cédula Imobiliária Rural (CIR), que será emitida por proprietários de imóveis rurais e que poderá ser negociada no mercado de títulos e valores mobiliários. A CIR será registrada em entidade autorizada pelo Banco Central.

Às vezes parece complexo entender. O Portal Agrolink conversou com advogado Lutero de Paiva Pereira, de Maringá (PR), especializado em agronegócio e membro do Comitê Europeu de Direito Rural. Confira:

Portal Agrolink: O que é a Cédula Imobiliária Rural (CIR)?

Lutero: A Cédula Imobiliária Rural (CIR) é um título de crédito que pode ser emitida somente por produtor rural proprietário de imóvel rural, em favor de instituição financeira, para obtenção de crédito. A Cédula traz como novidade o fato de proteger ao extremo o direito do banco, pois caso o emitente não pague a dívida no vencimento, o credor pode “tomar” para si o imóvel que foi dado em garantia do crédito, através do instituto do patrimônio de afetação que foi criado também pela MP 897/2019. Para o banco transferir para si o imóvel, não precisa sequer ir ao Judiciário, pois basta fazer o procedimento através do Cartório do Registro Imobiliário, que num prazo máximo de 60 dias ou pouco mais o produtor rural já perdeu seu imóvel. O procedimento, neste caso, é igual da alienação fiduciária de bem imóvel rural.

Portal Agrolink: O que ela deve trazer ao produtor?

Lutero: Segundo dizem, o que a Cédula deve trazer ao produtor rural ao produtor rural é a possibilidade de dar em garantia menor quantidade de terras, do que daria através da hipoteca. Mas esta é uma ilusão, pois quem define a quantidade de área para garantir o crédito é o banco e não produtor rural. Aliás, salvo melhor juízo, a Cédula Imobiliária Rural é pior para o produtor rural do que a Cédula de Crédito Rural.

Portal Agrolink: Que tipo de transações permite?

Lutero: A Cédula Imobiliária Rural permite a concessão, pela instituição financeira, de qualquer tipo de crédito, seja ele o rural, o comercial ou qualquer outro.

Portal Agrolink: Tem algum requisito para acessar? Para todos os tamanhos de produtores?

Lutero: A Cédula por ser emitida por qualquer produtor rural, independentemente de pequeno, médio ou grande, desde que ele seja proprietário de imóvel rural que pode ser alcançado pelo tal patrimônio de afetação. Lembrando que a pequena propriedade rural (art. 5º XXVI/CF), e imóvel igual ou inferior ao módulo rural não estão sujeitos à afetação, bem assim o bem de família.

Portal Agrolink: Trata-se de uma coisa nova e muitos produtores podem ter dúvidas. Quais os cuidados para acessar a CIR? Riscos?

Lutero: O risco mais sério que o produtor rural corre a emitir uma Cédula Imobiliária Rural é o de perder o imóvel que foi dado em garantia, caso não pague a dívida no vencimento. Como a atividade rural é uma atividade risco, conhecida como “empresa a céu aberto” por sua absoluta vulnerabilidade, o melhor que o produtor rural faz é se informar bem sobre as consequências jurídicas de assinar o título.

Portal Agrolink: Importante diferenciar a CIR da CPR e CCR.

Lutero: Existem muitas diferenças entre a CIR, a CCR e CPR, mas as três se mostram interessantes para o momento. A primeira delas é que através da CIR o produtor rural pode realmente perder sua propriedade, caso não pague a dívida no vencimento, enquanto que na CCR e CPR o credor precisa mover um processo judicial e o devedor terá direito à defesa, inclusive com a possibilidade de solicitar prorrogação, caso preencha os requisitos legais. A segunda, é que a CIR pode ser emitida somente por proprietário de imóvel rural, enquanto a CCR e CPR pode ser emitida por qualquer produtor rural, sendo ou não proprietário de imóvel rural e, a terceira é que a garantia dada pelo produtor rural na CIR a um banco, não pode ser dada a outro banco no mesmo momento, enquanto isto é permitido na CCR.

Observações gerais:

Mesmo que a CIR tenha vindo numa MP chamado do Agro, ela melhor se colocaria numa MP dos Bancos, pois toda sua construção jurídica é feita em favor das instituições financeiras. Para o produtor rural a melhor coisa é continuar a usar a Cédula de Crédito Rural do DL 167/67.

Fonte: Agrolink