Construção civil e incorporação imobiliária estão entre os setores que terão aumento de carga tributária com a reforma no sistema de impostos. A Câmara Brasileira da Indústria de Construção (CBIC) e outras entidades setoriais calculam um aumento de até 51,7% na tributação sobre operações de compra e venda, e de até 136,2% no de aluguéis. O valor dos impostos pagos em uma compra ou venda de imóveis pode chegar a 20,9% do custo do bem.
Hoje, tanto construtoras quanto incorporadoras podem ser beneficiadas por um Regime Especial de Tributação (RET), que limita em 4% a tributação sobre o faturamento na venda de frações de terreno ou construção de condomínios, considerando IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Somado ao ISS, que varia conforme o município, girando, em geral, em torno de 5%, a carga tributária total chega a 9%.
Mesmo fora do RET, a construção civil recolhe atualmente 3,65% de PIS e Cofins. Com o ISS, a tributação sobre bens e serviços para o segmento chega hoje a, no máximo, 8,65%.
Caso o projeto de lei complementar (PLP) 68/2024, aprovado nesta semana na Câmara, seja mantido pelo Senado, PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS serão substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que terão alíquota total estimada em 26,5%.
Para aliviar o impacto da mudança, o governo federal propôs uma redução de 20% na tributação sobre as construtoras e incorporadoras, o que resultaria em uma alíquota de 21,2%. Após pressão de associações de empresas, o substitutivo aprovado pelos deputados elevou o desconto para 40%, configurando uma alíquota de 15,9%.
“Esses 15,9% são só de tributação sobre consumo, tendo ainda que recolher IRPJ, CSLL e obviamente uma contribuição previdenciária sobre o maior insumo do setor, que é a mão de obra”, explica o advogado tributarista Eduardo Natal, presidente do Comitê de Transação Tributária da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (Abat).
“Todo custo tributário, no final, acaba sendo repassado para o consumidor”, diz. Para além dos 15,9%, o comprador de um imóvel ainda paga o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competência dos municípios. No caso de São Paulo e Rio de Janeiro, o tributo corresponde a 3% do valor venal do imóvel, mas há prefeituras que recolhem até 5%. Nesse caso, o total de imposto pago chegaria a 20,9% do custo do bem em si.
Os cenários valem para empreendimentos novos, comercializados por construtoras ou incorporadoras. No caso de venda de imóveis por pessoas físicas que não tem o comércio imobiliário como principal fonte de renda, incide o IRPF sobre ganho de capital.
Outra mudança prevista com a reforma tributária, incluída em outro PLP, o 108/2024, permite aos municípios recolherem o ITBI quando for lavrada a escritura pública de compra e venda do imóvel, não mais no momento do registro da operação no cartório de imóveis, como ocorre hoje.
O objetivo é inibir os chamados contratos de gaveta, que muitas pessoas fazem de modo a comprovar a transação, porém sem efetivamente atualizar o registro do imóvel para evitar o pagamento do imposto.
“Redutor social” torna alíquota progressiva por valor do imóvel
A regulamentação da reforma que passou na Câmara prevê, por outro lado, um dispositivo que diminui a base de cálculo dos impostos. O “redutor social”, como foi chamado, permite a dedução de R$ 100 mil no valor do imóvel residencial novo, e de R$ 30 mil no caso de lotes residenciais, para fins de cobrança dos tributos. Com isso, a tributação sobre a operação passa a ter descontos progressivos quanto menor for o valor do imóvel.
Entidades como a CBIC e a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) consideram os benefícios insuficientes e querem que o desconto na alíquota para compra e venda seja alterado para 60% na análise do PLP 68 no Senado.
“A proposta aprovada estipula uma dedução de apenas 40%, considerada insuficiente pelo setor. Nesse caso, as operações imobiliárias passariam a ter uma carga tributária 40% acima da atual, o que impactaria diretamente nos custos de produção da incorporação imobiliária, tornando mais desafiador manter a competitividade e o crescimento do segmento”, afirma a Abrainc, em nota.
O presidente da associação, Luiz França, ressalta que o aumento da carga tributária pode desencadear uma série de efeitos adversos. “O mercado imobiliário funciona como um termômetro da economia. Qualquer aumento na carga tributária pode resultar em desestímulo a novos investimentos, impactando diretamente os consumidores finais, que enfrentarão preços mais altos para comprar ou alugar imóveis”, diz no comunicado.
Para Renato Correia, presidente da CBIC, houve avanços na discussão da reforma, mas a entidade ainda quer a garantia da neutralidade na carga tributária ao fim da transição para o novo modelo. “Da forma aprovada, a regulamentação levará ao aumento dos preços”.
A CBIC também chama a atenção sobre os efeitos nos custos de obras de infraestrutura. “Há uma preocupação com os impactos da reforma na definição dos orçamentos públicos, na fixação dos preços de obras importantes e necessárias, como as de escolas, hospitais, creches”, explica Correia.
Para a locação de imóveis, o texto prevê uma redução de 60% na alíquota, o que resultaria em um total de 10,6% de IBS e CBS. As entidades defendem que o redutor seja ajustado para 80%.
Materiais de construção terão carga tributária maior
A reforma ainda pode afetar os preços dos imóveis em razão dos custos de materiais básicos para a construção civil, como o cimento, segundo a Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de Construção (Anamaco), que lamenta a aprovação do PLP sem a inclusão dos insumos na lista de produtos com desconto tributário.
“A reforma como foi encaminhada para o Senado poderá resultar em um aumento de 26,5% no preço da cesta básica de material de construção”, diz a entidade. O presidente da Anamaco, Cassio Tucunduva, diz que o não atendimento ao pleito pode comprometer o programa Minha Casa Minha Vida e sobrecarregar as classes C e D, grandes consumidoras de materiais de construção.
“É imperativo garantir que as políticas tributárias não prejudiquem aqueles que fazem parte de mais 6,2 milhões do déficit habitacional e que mais precisam de moradia acessível”, defende.
“A cesta básica de material de construção segue um padrão similar à cesta básica de alimentos. Existe a necessidade do ser humano de comer, vestir e morar. É realmente essencial que seja aprovada”, afirma o presidente da Anamaco.
O tributarista Eduardo Natal faz a ressalva de que as construtoras passarão a ter direito, ao adquirir matéria-prima, de receber créditos de IBS e CBS pagos nas operações anteriores da cadeia, o que torna difícil estimar com precisão o impacto da reforma na carga tributária final.
Por outro lado, ele ressalta que o principal insumo das construtoras, a mão de obra contratada, não dará direito a creditamento – pelo contrário, deve gerar mais carga em razão da folha de pagamento. “Se a empresa tiver um grande volume de mão de obra contratada, ela só vai conseguir repassar isso no preço final”, diz Natal.
Fonte: São Bento em Foco, com informações da Gazeta do Povo