Em entrevista a Aripar, Thomas Nosch Gonçalves aborda aspectos dos compromissos de compra e venda de imóveis em relação à Lei 14.382/2022

A Lei 14.382/2022, alteradora da Lei de Registros Públicos, trouxe diversas inovações para o registro de imóveis, especialmente afetas para contribuição da desburocratização e facilidade no acesso aos serviços imobiliários. Para falar sobre o assunto, a Associação dos Registradores Imobiliários do Paraná (Aripar) entrevistou o mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Thomas Nosch Gonçalves.

Ele destacou as alterações que propõem a desburocratização em diversos fatores e de que forma essas novidades impactam na economia, em especial envolvendo os compromissos de compra e venda.

Nesta entrevista, Thomas também traz o caráter de definição do registro público imobiliário, reforçando a importância e a capacidade dos cartórios extrajudiciais de auxiliarem a Justiça, com relação às alterações legislativas que “devem ser reafirmados e ampliados para fortalecer a proteção aos direitos humanos, a efetividade da prestação jurisdicional e o acesso universal à Justiça“, relatou.

Confira a entrevista completa:

Aripar – De que forma a Lei 14.382/2022 contribui para a desjudicialização em relação aos compromissos de compra e venda de imóveis?

Thomas Nosch Gonçalves – A principal mudança envolvendo a desjudicialização – prefiro Extrajudicialização – foi por meio da Lei 11.441/07, que trouxe importante evolução e avanço ao descongestionamento do Poder Judiciário, além da economia para o contribuinte. Segundo um estudo conduzido em 2013, pelo centro de pesquisas sobre o Sistema de Justiça brasileiro (CPJus), cada processo que entra no Judiciário custa em média R$ 2.369,73 para o contribuinte. Portanto, o erário brasileiro economizou mais de 5,2 bilhões de reais com a desburocratização desses atos. Esses números são bem maiores hodiernamente.

Aripar – Poderia explicar mais sobre este impacto na economia?

Thomas Nosch Gonçalves – Segundo o relatório “Justiça em Números”, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2018, o orçamento destinado ao funcionamento do Poder foi de R$ 90,8 bilhões. Ainda segundo a pesquisa, existem hoje 80,1 milhões de processos em trâmite em todas as instâncias da Justiça, incluindo seguramente processos que envolvam a rescisão e consolidação administrativa do compromisso de compra e venda.

Como se sabe, no âmbito da alienação fiduciária já é um grande sucesso a sua execução extrajudicial. Também é muito utilizada a usucapião extrajudicial para a titulação de pessoas que exercem posse durante anos a fio. E também é possível a rescisão extrajudicial do compromisso de compra e venda, no âmbito dos loteamentos de imóveis urbanos (art. 32, §1º, lei 6.766/1979).

Assim, encampado na célere e segura execução extrajudicial da alienação fiduciária – deflagrada e controlada pelos competentes e diligentes registradores de imóveis – o art. 251-A da Lei 6.015/73 foi uma novidade que deve ser festejada, pois admite a rescisão do contrato registrado, sem a necessidade se recorrer ao Poder Judiciário, não apenas nos casos de loteamentos, mas em todos os casos de promessa de venda de imóveis cujas prestações não sejam pagas.

Hoje, quando alguém quer vender um imóvel com o pagamento em parcelas, normalmente estabelece uma cláusula de “condição resolutiva”, que o Poder Judiciário tem predominantemente entendido que ainda assim requer uma ação para obter a rescisão. É verdade que há um precedente do Superior Tribunal de Justiça, da 4ª Turma, no julgamento do Recurso Especial 620.787, Rel. ministro Marco Buzzi, considerando que nas vendas com condição resolutiva também não é necessária a desconstituição judicial do negócio. No entanto, não há informações de registradores que tenham aplicado esse precedente, até porque, vale lembrar que a atividade registral é administrativa, baseada no princípio da legalidade.

Outra opção é garantir essa dívida com a alienação fiduciária, que exige a realização de leilões antes que o credor possa ficar com o bem. Porém, agora é possível que o contrato de promessa de venda registrado na matrícula do imóvel seja rescindido e o seu registro cancelado, em caso de não pagamento das prestações, tudo isso rapidamente e sem necessidade de se mover uma ação judicial.

A nova disposição legal permite que o prejudicado com a falta de pagamento requeira ao oficial do registro de imóveis que intime o devedor para que, em 30 dias, coloque os pagamentos em dia com todos os seus acessórios, diretamente no cartório. Se o pagamento for feito, o valor é logo repassado ao credor, o contrato fica mantido e tudo seguirá normalmente. Mas, se nesse prazo a dívida não for paga, o contrato será considerado rescindido e o seu registro será definitivamente cancelado em seguida.

Aripar – Além da segurança jurídica, quais outros fatores podem ser destacados com a aprovação da lei?

Thomas Nosch Gonçalves – Além da já experimentada e aprovada segurança jurídica dos cartórios extrajudiciais, essa medida extrajudicializante, ou desjudicialização,  perscrutou um hipertrofia na aplicação II pacto republicano de estado por um sistema de justiça mais acessível, ágil e efetivo, notadamente a efetividade das medidas adotadas indicando que os compromissos e alterações legislativas devem ser reafirmados e ampliados para fortalecer a proteção aos direitos humanos, a efetividade da prestação jurisdicional, o acesso universal à Justiça e também o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito e das instituições do Sistema de Justiça.

De forma objetiva, em poucas semanas, é possível a solução extrajudicial dessa pendência, que geralmente onera quem aliena seu imóvel, talvez seu único bem, mas não consegue receber o que lhe é devido.

Outro ponto que merece destaque á que a certidão de cancelamento do registro da compra e venda é prova suficiente para que se requeira, até mesmo liminarmente, a reintegração de posse do imóvel, esta sim, em processo judicial.

Com essa mudança que valoriza a boa-fé que deve ter nos contratos, pensamos que é mais vantajoso para quem vende um imóvel com pagamento parcelado utilizar-se de uma promessa de venda e seu registro na matrícula, do que a compra e venda com condição resolutiva. A primeira opção permite desfazimento rápido, em caso de falta de pagamento, sem intervenção judicial. Já em relação à segunda (art. 474 do Código Civil) predomina o entendimento de que é preciso recorrer à Justiça para desfazer o negócio, arrostando o interessado a lentidão e a imprevisibilidade da decisão definitiva, pelo menos por enquanto, até que sobrevenha disposição normativa.

Aripar – Como avalia a importância do registro público imobiliário após aprovação da lei?

Thomas Nosch Gonçalves – Antes de avaliar a importância do registro público imobiliário, é necessário defini-lo, apresentando as definições já elaboradas pela doutrina e assim, delimitar o alcance e função desse imprescindível múnus.

Vicente Abreu Amadei (2020), que buscou, como instituição, demonstrar a compreensão de diversas categorias institucionais: “ órgão da fé pública (ALMEIDA, 1997), ofício público (PONTES DE MIRANDA, 1953 e CARVALHO, 1997), serviço público (DIP, 2005), função pública delegada à profissional independente, cartório (JACOMINO) ou serventia extrajudicial (KIKUNAGA, 2019).

Apoiado em definição de Marcelo Augusto Santana de Melo (2016) e na doutrina exposta, em persecução da definição ideal do registro de imóveis, pode-se concluir que é uma função pública exercida em caráter privado por profissional do direito – registrador – que assenta títulos públicos e privados, outorgando-lhe oponibilidade de terceiros, com ampla segurança jurídica no controle prévio e posterior, encampado em uma juridicidade – legalidade ampla, normas no sentido de regras e princípios – dotada de publicidade, segurança e eficácia das relações jurídicas envolvendo os imóveis, garantida presunção relativa e extrema confiabilidade na circulação de riquezas.

Dessa forma, o registro de imóveis se firma cada vez como o local adequado para a regularização da propriedade e da solução de vários casos em que os imóveis ainda não estão em nomes das pessoas a quem eles de fato pertencem, notadamente a regularização – que pode ser a rescisão do compromisso de compra e venda, ou não -. Os cartórios extrajudiciais têm prestado excelentes trabalhos, com grande agilidade e rapidez em proveito da população. E isso tem cada vez mais se ampliado com um fenômeno crescente chamado de extrajudicialização – ou desjudicialização -. Este é mais um exemplo que certamente fará grande sucesso.

Aripar – Acredita que a nova legislação comporta melhorias e aperfeiçoamentos para que venha a atender plenamente seus propósitos de desjudicialização e outros?

Thomas Nosch Gonçalves – Toda alteração legislativa – especialmente as que alteram de forma substancial o arquétipo normativo, que é o caso – demanda um processo de decantação. Esse processo de separação e acoplamento de institutos jurídicos, homogêneos ou heterogêneos, demandam um lapso temporal médio com aplicação prática dos institutos jurídicos. É só assim, que podemos avaliar a refração registral e propor eventuais alterações vinculativas.

Aripar – Mesmo diante da crise instaurada pela pandemia de Covid-19, o setor imobiliário se mostrou estável, incluindo períodos de recuperação e crescimento. Em sua opinião, quais são os fatores que têm colaborado para este cenário?

Thomas Nosch Gonçalves – Além da essencialidade dos serviços públicos – trabalhando de forma ininterrupta durante a pandemia –, destacam-se os forçosos investimentos – privados –  dos oficiais registradores, das associações dos cartórios extrajudiciais e do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) no estabelecimento de metas e políticas de investimento em tecnologia da informação. Essas implementações tecnológicas possibilitaram um atendimento ininterrupto de forma remota e segura pelas instituições supracitadas, demonstrando mais uma vez a importância e capacidade dos cartórios extrajudiciais de auxiliarem a Justiça.

Aripar – O registro de imóveis, assim como outros serviços extrajudiciais têm sido um importante aliado do Poder Judiciário neste movimento de desjudicialização. Dessa forma, como avalia esse trabalho realizado pelos cartórios de registro de imóveis?

Thomas Nosch Gonçalves – A natureza jurídica dos delegatários consubstancia um necessário desenho do direito administrativo registral, para que se possa introduzir, ainda que de forma sumária, a importância e a necessidade das atividades extrajudiciais na regularidade – ou irregularidade – fundiária.

Denota-se, segundo Ricardo Dip (2010), que essa ciência autônoma tem o condão de garantir as situações jurídicas particulares, assim, é possível a identificação do caráter jusprivado registral. Parafraseando Lopez Medel, em sua obra Teoría del registro de la propiedad como servicio público, para quem afirma que os registros públicos são serviços eminentemente públicos, defendendo previamente o caráter civil dos direitos que incorporam ao Registro e os que derivam dele, por efeitos refratários ao sistema extrajudicial, não precisamente atos administrativos, mas que emanam de um órgão engendrado de uma roupagem administrativa, capaz de regularizar e controlar todos os direitos reais.

Dessa forma, é por meio desse ofício registral que é possível alcançar uma prestação de serviço público de qualidade e segurança jurídica, possibilitando a circulação de riquezas e a obtenção do crédito com menores riscos – impactando em taxa de juros mais acessíveis – garantindo um maior acesso ao direito fundamental da propriedade.

Aripar – Acredita que a Lei 14.382 irá colaborar com o desenvolvimento econômico e social do país?

Thomas Nosch Gonçalves – Com essa inovação legal, fica reforçado o princípio de que os contratos devem ser cumpridos como foram previstos, sem que a pessoa possa protelar a solução da falta de pagamento. Isso favorece o ambiente dos negócios, reforça a responsabilidade de quem contrata e protege as pessoas que são cumpridoras de seus deveres. É mais uma injeção a revigorar a combalida economia tupiniquim.

Por fim, embora o compromisso de compra e venda possa ser feito por instrumento particular, preferencialmente com a assistência de um advogado, recomenda-se o uso da forma mais segura e solene da escritura pública, com a assistência jurídica imparcial de um tabelião, que em algumas unidades da Federação têm custas com descontos para esses casos em que a forma pública é opcional.

Fonte: Assessoria de comunicação – Aripar

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